O Discurso Que Não Houve na Cerimônia de Entrega da Salva de Prata do Prêmio Dorothy Stang

Dino e Melander recebendo a Salva de Prata
Eduardo Melander Filho

O presidente do MOGAVE havia preparado um discurso longo para ser proferido durante o recebimento da Salva de Prata do Prêmio Dorothy Stang, categoria Natureza, realizado na Câmara Municipal de São Paulo no dia 03.06.2012, em Seção Solene.

No entanto, os acontecimentos levaram todos homenageados, inclusive o representante do MOGAVE, a simplificar o discurso, dada a informalidade que, espontaneamente, produziu-se na entrega do Prêmio.

O discurso que “deveria ser dito”, pelo fato de ter sido elaborado como explicação do MOGAVE e, muito mais, como constatação do que ele é e para onde ela vai em termos de atuação não é e nem deve ser perdido.

Assim, publicamos neste blog a fim de que seja referência às reflexões sobre o nosso futuro enquanto Entidade.

O TEXTO

“Excelentíssimo Vereador Ítalo Cardoso, que preside a mesa desta solenidade
Demais membros da mesa e autoridades
Companheiros

Senhores

É com muito orgulho que, representando os demais membros da Diretoria, Conselho Fiscal, Associados, Colaboradores e Simpatizantes do MOGAVE, recebo esta Salva de Prata oferecida à nossa Associação Movimento Garça Vermelha, do Prêmio Dorothy Stang.

Orgulho duplo por ter como pares nesta premiação o Senhor David Carlos Antonio, que tem significativa contribuição no campo tecnológico para a melhoria da qualidade de vida das pessoas e também do meio ambiente e o Comitê da Cidade de São Paulo do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis, companheiros lutadores que conquistam cada vez mais o respeito e a admiração de toda a sociedade. É uma honra tê-los lado a lado.

Triplo orgulho pelo fato de estarem presentes nesta platéia companheiros que fazem parte da nossa tradição de luta, como os representantes da Agenda 21, Espaço e Instituto Biguá Ecoestudantil, os companheiros do Projeto Memória Operária, ex militantes sindicais, bancários, metalúrgicos, químicos e plásticos e outros que, de uma forma ou de outra, nunca deixaram de atuar em pró às causas sociais.

Também presentes autoridades com quais tivemos relações conflituosas devido à natureza das nossas reivindicações, nem sempre resolvidas e muitas ainda pendentes. Mas é importante ressaltar que, apesar das demandas não atendidas, sempre mantivemos uma relação de respeito, mutuamente. Daí que, embora muitos pudessem estranhar essas presenças, nós não, pois é um reconhecimento da importância das nossas atividades.

Orgulho maior ainda temos todos por saber que a personagem que dá seu nome ao Prêmio é uma heroína naturalizada brasileira que deu sua vida pelo meio ambiente e pelos assentados, assassinada que foi a mando de madeireiros, os maiores depredadores do meio ambiente.

Irmã Dorothy Mae Stang, que já foi definida pelos seus admiradores como uma “mulher comprometida com a justiça, com as causas sociais, com o meio ambiente e com um desenvolvimento responsável” e também de “guerrilheira da paz”, segundo informações do Comitê Dorothy em Defesa da Vida e da organização Canção Nova Notícias, “pertencia às Irmãs de Nossa Senhora de Namur, congregação religiosa fundada em 1804 por Santa Julie Billiart (1751-1816) e Françoise Blin de Bourdon (1756-1838).

Em 1966 iniciou seu ministério no Brasil, na cidade de Coroatá, no Estado do Maranhão. Irmã Dorothy estava presente na Amazônia desde a década de mil novecentos e setenta (1970) junto aos trabalhadores rurais da Região do Xingu.

A sua participação em projetos de desenvolvimento sustentável ultrapassou as fronteiras da pequena Vila de Sucupira, no município de Anapu, no Estado do Pará, a 500 quilômetros de Belém do Pará, ganhando reconhecimento nacional e internacional.

A religiosa participava da Comissão Pastoral da Terra (CPT) da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) desde a sua fundação e acompanhou com determinação e solidariedade a vida e a luta dos trabalhadores do campo, sobretudo na região da Transamazônica, no Pará.

Defensora de uma reforma agrária justa e conseqüente, Irmã Dorothy mantinha intensa agenda de diálogo com lideranças camponesas, políticas e religiosas, na busca de soluções duradouras para os conflitos relacionados à posse e à exploração da terra na Região Amazônica.

Irmã Dorothy recebeu”, nos últimos meses de sua vida, “diversas ameaças de morte, sem deixar intimidar-se. Pouco antes de ser assassinada declarou: ‘Não vou fugir e nem abandonar a luta desses agricultores que estão desprotegidos no meio da floresta. Eles têm o sagrado direito a uma vida melhor numa terra onde possam viver e produzir com dignidade sem devastar’.

Dorothy Stang foi assassinada, com sete tiros, aos 73 anos de idade, no dia 12 de fevereiro de 2005, às sete horas e trinta minutos da manhã, em uma estrada de terra de difícil acesso, a 53 quilômetros da sede do município de Anapu, no Estado do Pará, Brasil.

Segundo uma testemunha, antes de receber os disparos que lhe ceifaram a vida, ao ser indagada se estava armada, Ir. Dorothy afirmou ‘eis a minha arma!’ e mostrou a Bíblia Sagrada. Leu ainda alguns trechos das Sagradas Escrituras para aquele que logo em seguida lhe balearia.”

É esta tradição que Dorothy Stang nos deixa como legado: lutar e perseverar, mesmo que o horizonte da vitória pareça distante e impossível de alcançar.

É dentro deste legado que o Movimento Garça Vermelha se insere, agora mais do que antes, pelo peso da responsabilidade que esta premiação nos compromete.

Nosso movimento é pequeno, sem dinheiro e baseado integralmente no voluntariado, com pouquíssimas pessoas atuando em período integral ou semi integral. Mas, apesar disso, é independente e sem vínculos com nenhum interesse, a não ser o da defesa intransigente do meio ambiente, entendendo o homem como integrante pleno da natureza e não como objeto separado. Essas condições nos dão liberdade para confrontar interesses privados e até os do poder público. Importante lembrar que muitas organizações ambientalistas hoje, pelo fato de dependerem financeiramente de particulares ou do poder publico, não raras vezes fecham os seus olhos aos desmandos, criando uma situação de “faz de conta que está tudo certo”. Esse não é o caso da nossa organização.

Nascemos como uma organização de moradores, local, com reivindicações mais ligadas à segurança das pessoas do que propriamente ao meio ambiente. Mas, rapidamente evoluímos tornando-nos uma Associação legalmente constituída e ambientalista, com associados não vinculados a nenhum local específico, pois as questões de fundo que se apresentavam em nossas demandas na época levavam necessariamente a uma só conclusão: muitas das ações públicas (de particulares, do poder público ou parceria público privada), que se apresentam sob a égide da proteção ao meio ambiente, são, na verdade, degradadoras. Também empresas que até ontem eram campeãs da poluição, hoje aparecem como “salvadoras do meio ambiente”. Mas continuam poluindo da mesma forma ou talvez pior.

E é nesse universo de luta que hoje nos inserimos. Conversamos, propomos, denunciamos publicamente e, não raras vezes, encaminhamos essas denúncias ao Ministério Público, ao Parlamento e às Corregedorias. Também participamos de alguns Conselhos como representantes eleitos da Sociedade Civil, como o Conselho Gestor do Parque Jacques Cousteau, Conselho Comunitário de Segurança do Grajaú e, também, na Secretaria do Conselho Regional de Meio Ambiente, Desenvolvimento Sustentável e Cultura de Paz da Capela do Socorro.

Temos também nos envolvido na organização de diversos eventos, dentre os quais o Abraço Guarapiranga dos últimos três anos.

Brevemente iniciaremos nossas incursões no campo da Educação Ambiental, que já praticamos extra projeto, e da pesquisa. Temos contatos no Instituto de Biologia da USP e de alunos da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo – FAU – da USP. Já iniciamos estudos visando projetos de pesquisa para a Represa de Guarapiranga e Billings.

Uma característica marcante do MOGAVE é que, embora seu núcleo mais atuante se aproxime cada vez mais dos conceitos do Ecossocialismo, não tem nenhuma orientação político-ideológica. Vinculamos-nos apenas aos princípios consagrados em nosso Estatuto e aos compromissos de luta. Poderíamos nos definir como uma associação suprapartidária, mas nunca apolítica ou anti-parlamentar. Em nossas fileiras temos simpatizantes de diversos partidos políticos e mesmo de nenhum.

O mais importante, que queremos frisar do MOGAVE: a nossa organização é uma organização de luta e todos aqueles comprometidos com a luta, que se recusam a aceitar a derrota como definitiva e nunca abandonar a luta pela metade, serão bem-vindos, como aliados ou, inclusive, como integrantes do Garça Vermelha.

Queremos crescer em termos de militância para atingir uma gama maior de demandas.

E as demandas são grandes. Temos de intensificar a luta na questão do depósito de material radioativo da Nuclemon, que é uma luta que a Comissão Extraordinária Permanente de Meio Ambiente da Câmara Municipal também vem levando, assim como o Nobre Vereador Ítalo Cardoso, que é Primeiro Secretário desta Casa e preside hoje essa solenidade, que leva essa luta há anos, desde a época de nossa luta dentro dos sindicatos. Há empresas que praticamente, descobrimos recentemente, jogam material tóxico dentro da Guarapiranga. Esses são apenas exemplos.

Enfim, o MOGAVE é isso. Chegamos ao dia de hoje e a este momento por causa de muitas pessoas. Mas, existe um grupo específico, que sem ele, a Associação Movimento Garça Vermelha não existiria. E, numa justa citação, para que seja mantido o registro de seus nomes nos anais desta Casa do Povo, de seus representantes, nomearei um a um:

Dra. Enorá Arone – Presidente do Conselho Fiscal

Sra. Regina Badke Paiva – Vice Presidente Financeira Adjunta

Sr. Carlos Warne Júnior – nosso Vice Presidente Administrativo Adjunto

Sr. Cássio Tramutolla – da Diretoria Executiva

Sr. Dino Mottinelli – nosso Vice Presidente Financeiro

Sr. Jose Alava Ugarte – “nosso representante do país Basco”, do Conselho Fiscal

Sr. Manuel José Gonçalves – do Conselho Fiscal

Sr. Martin Ingo Feldenheimer – Vice Presidente Administrativo

Encerrando, gostaria de declarar que todos nos sentimos muito felizes pelo dia de hoje.

Confesso, pelo prêmio, pela companhia de companheiros do passado e do presente, aqueles que acabamos de conhecer mas que queremos estreitar nossos vínculos, este é um dos dias mais importantes da minha vida.

Achei mesmo que outra pessoa estaria aqui no meu lugar. Mas, felizmente, estamos aqui e pretendemos continuar por muito tempo. Agradeço particularmente aos médicos que possibilitaram essa minha presença, dentre os quais a minha Pneumologista Dra. Fabiana, que está presente neste recinto ao lado de minha mãe e meu pai que acabou de completar noventa (90) anos, mas fez questão de comparecer no dia de hoje.

Em nome a Associação Movimento Garça Vermelha, agradeço a todos vocês.

Muito obrigado

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