O discurso do subprefeito da Capela do Socorro

Essa cena pode se acabar no Parque Nov de Julho


Eduardo Melander Filho

O dirigente máximo da Regional Capela do Socorro iniciou seu discurso fazendo uma bela explanação do projeto global, que envolve a participação de outras instituições além da Prefeitura Municipal de São Paulo, como o governo do Estado e o Banco Mundial. Após essas colocações é que começaram as justificativas ideológicas, cujas nuances pudemos perceber nas entrelinhas do texto discursivo.
As obras já estão em andamento acelerado, sendo que, pelo que temos notícias, o projeto nunca tinha sido discutido antes com a comunidade ou parcela dela. O mote da nossa reunião foi o de “apresentação técnica do projeto e recolhimento de sugestões”, evidenciando a política do “consumatum est” (fato consumado) e que qualquer alteração futura do projeto se dará via concessão dos poderes constituídos e não via negociação com a comunidade. Ou seja, em termos de democracia até agora o que podemos perceber é que, se ela existe, em relação à implementação do projeto, ela não ultrapassou o campo das intenções.
Outra idéia que fica latente no discurso é a idéia de “progresso” Não a de qualquer progresso, mas aquela vinculada ao determinismo histórico do século XIX, que justificou as devastações ambientais e o extermínio de povos durante o século XX em nome do inevitável curso histórico que levaria a humanidade como um todo ao mais alto grau de felicidade e satisfação plena de suas necessidades mais básicas. A idéia do inevitável também ficou evidente quando foi dito que “as coisas seriam diferentes com a existência do parque e que nós deveríamos nos adaptar a ela”, e também quando se disse que “alguns serão prejudicados em nome da maioria”, pois a marcha da história sempre causa danos colaterais. Lutar contra essa realidade é reagir inutilmente, numa atitude reacionária. Essa acusação contra nós foi veladamente e por várias vezes proferida, principalmente quando o projeto foi definido (em nosso entendimento indevidamente) como de “inclusão social”, relegando-nos à condição de “burgueses” (reacionários, portanto).
Durante a palestra o conceito de “desenvolvimento sustentável” foi exaustivamente difundido, na tentativa de dar um ar de modernidade e atualidade na concepção do projeto. Ora, existem hoje no Brasil duas posições a respeito. A primeira, representada pelos ecologistas, cuja maior expressão pública é a ex-senadora e ex-ministra Marina da Silva, percebe o desenvolvimento como entrelaçado ao meio ambiente, numa relação simbiótica. Assim, como exemplo, num castanheiro no meio da floresta amazônica se organizaria uma indústria de processamento desse produto sob tutela da comunidade e a via de escoamento da produção se daria por via fluvial. Não se construiriam estradas, nem se programariam outros tipos de atividades que pudessem agredir o meio ambiente. Dessa forma, as agressões à natureza seriam mínimas.
A outra posição é a dos desenvolvimentistas em geral, sendo os ruralistas os mais radicais. Baseia-se naquela idéia de progresso determinista. Pensa no “desenvolvimento sustentável” como produto de uma “negociação” entre as atividades econômicas (capitalistas) e o meio ambiente, sendo que ambos os lados devem abrir mão de “alguma coisa”. Ou seja, não precisamos ser nenhum “expert” no assunto para percebermos que é o meio ambiente quem perde nessa “negociação”.
Perguntamos então: em qual concepção se encaixa a construção de uma “via de rodagem” em torno do “Parque Nove de Julho” da represa do Guarapiranga?
Uma outra pergunta de grande importância deve ser apresentada nesse texto: se o projeto está sendo apresentado como fato consumado e as obras já estão em andamento avançado, qual a razão da prefeitura conversar agora com a comunidade? Acontece que haverá em algum momento reação em relação aos objetivos finais do projeto. Essa possível reação e a forma de combatê-la deve ser detectada de antemão e isso faz parte integrante da estratégia do projeto. O método utilizado é o PES (Planejamento Estratégico Situacional) ou variante dele.
Muito resumidamente (deixamos claro que não somos nenhum “expert” no assunto), o PES original (de Carlos Matus) era pensado em três momentos: o Explicativo, quando se estabelece o diagnóstico da situação; o Normativo, quando se estabelece o que fazer; Tático-operacional, quando se estabelecem as ações destinadas à mudança. Estamos no primeiro momento, contraditoriamente às obras que já se encontram em estado avançado, numa evidente mutilação de aplicação do PES.
É o momento em que se trabalha com vários conceitos: Nó crítico; operação principal ao nó crítico; processamento tecnopolítico; motivação; ator; vetor de peso de um ator; viabilidade; decisão; tática; estratégia; metaestratégia e acúmulo de forças. Podemos, então, perceber um dos objetivos da última reunião: detectar a potencialidade das reações; o peso dos participantes; as lideranças positivas (passíveis de cooptação); as negativas (que deverão ser isoladas); etc. Nesse sentido eles estão um passo a frente, pois temos fornecido todas as informações possíveis.
Obviamente que essa “é uma faca de dois gumes”. A partir o conhecimento prévio das reais intenções que se apresentam atrás do discurso poderemos utilizar essas informações em nosso favor. Sabemos que os dois principais “nós críticos” do projeto são: a rodovia (depois explicaremos nossa insistência em nomear a via dessa maneira), cuja implementação afetará a comunidade num sentido mais amplo e geral e a entrada número três do Parque, que num sentido mais restrito afetará a comunidade do Jardim Sertãozinho.
São dois problemas específicos que fazem parte de um problema maior

Obs.: O texto acima se refere à reunião que o subprefeito da Capela do Socorro realizou com moradores do Jardim Sertãozinho e adjacências no dia 24/12/2009. O Movimento Garça Vermelha nasceu uma semana depois como conseqüência da reação dos moradores às suas imposições.

Esse artigo foi escrito em 30/11/2009

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