Carta ao Presidente da Comissão Extraordinária Permanente do Meio Ambiente

Vereador Gilberto Natalini durante o Abr. Guarapiranga 2011


Eduardo Melander Filho

O MOGAVE foi convidado para participar da Reunião Ordinária da Comissão Extraordinária Permanente do Meio Ambiente realizada no dia 18.05.2011, presidida pelo Vereador Gilberto Natalini, que discutiu o relatório sobre a vistoria aérea ao parque lineares da Guarapiranga, realizada através de sobrevôo por helicóptero.

Na ocasião, o representante do MOGAVE não conseguiu intervir durante a Sessão, razão pela qual enviamos um documento ao Vereador Natalini, com cópia aos demais integrantes da Comissão e participantes daquela reunião, explicitando as posições da Associação Movimento Garça Vermelha em relação ao tema tratado.

O texto completo que enviamos à Comissão é o seguinte:

“Exmo. Senhor
Nobre Vereador Gilberto Natalini
Presidente da Comissão Extraordinária Permanente do Meio Ambiente
Câmara Municipal de São Paulo


Ref.: Reunião Ordinária da Comissão Extraordinária Permanente do Meio Ambiente realizada no dia 18.05.2011, pauta: Relatório e discussão da vistoria à Represa de Guarapiranga, relacionada à Operação Defesa das Águas realizada em 16.05.2011.


Senhor Presidente,


Procuramos V. Ex.ª logo após o término da reunião em epígrafe, quando obtivemos sua permissão para enviar este documento à Presidência da Comissão, devido ao fato de não conseguirmos intervir naquela sessão pela exigüidade do tempo. Nas próximas linhas, então, estará contemplado o conteúdo da intervenção que faríamos naquele dia.

Representamos a Associação Movimento Garça Vermelha, que é herdeira direta do Movimento Garça Vermelha, fundado pelos moradores do Jd. Represa, Jd. Pombal, Jd. Sertãozinho, Vila Represa e Jd. das Praias em 01.12.2009, quando os tratores já se encontravam às “portas de nossas casas”, devastando tudo o que encontravam pela frente a título de “limpar a área” para fixar o gradil que hoje cerca o Parque Nove de Julho. Atualmente somos uma organização ambientalista que ultrapassa os limites de uma associação de bairros, cuja área de abrangência engloba às Represas Billings e Guarapiranga, assim como os cursos d’água que as alimentam e as interligam.

V. Ex.ª e os Nobres Vereadores que o acompanharam no sobrevôo dos parques lineares da Guarapiranga e Billings certamente observaram uma extensa faixa de terra ao longo do gradil do Parque Nove de Julho. É uma porção de APP, cuja mata ciliar foi literalmente ceifada em sua quase totalidade, para servir de suporte ao gradil e futura construção de calçada, ciclovia e uma rua. Parte desse trecho foi aterrada com saibro impermeável e entulhos de construção, material alienígena, pois originalmente encontrava-se abaixo da cota máxima de inundação da represa e, do contrário, o gradil não poderia ser fixado. Como resultado, uma nascente de água foi aterrada definitivamente pelos tratores. Este aterro foi denunciado à Secretaria Municipal do Meio Ambiente - Sul 3, resultando numa autuação contra a empreiteira a serviço da Subprefeitura da Capela do Socorro. A Diretora da SMVA-Sul 3, Sra. Odete de Fátima Borges Silva participou da Reunião desta Comissão e seguramente está a par disto.

Pelo menos, felizmente, o Subprefeito da Capela do Socorro Sr. Valdir Ferreira ouviu nossos argumentos e decidiu suspender definitivamente a construção da rua, pois seria um absurdo automóveis circulando praticamente “dentro” da represa. Foi uma vitória do nosso movimento, mas também de todos aqueles que se sensibilizaram e fizeram com que prevalecesse o bom senso. Mas, quanto aos outros problemas, as conversações com a Subprefeitura não avançaram em nada.

A própria construção do Parque Nove de Julho, que tem por volta de 70% de sua área abaixo da cota máxima de inundação, sendo, portanto, um parque literalmente “dentro d’água”, não obedeceu a nenhum critério de preservação ao meio ambiente: tratores que, a exemplo da parte externa do gradil, destruíram mata ciliar, árvores frutíferas da Mata Atlântica e, inclusive, um grande taboal; equipamentos instalados dentro d’água, dentre os quais cinquenta e quatro mesas de xadrez, o que constituí um desperdício de dinheiro público; a construção de um calçadão de concreto dentro do leito da represa, criando uma verdadeira “Muralha da China”, isolando peixes que atravessaram durante as cheias ao lado do gradil, causando-lhes o extermínio quando as águas baixavam, pois não conseguiam voltar ao leito da represa; o gradil que cerca o parque foi construído sobre uma sapata de alvenaria que não possui nenhuma abertura para passagens de animais, isolando-os em duas populações segregadas; plantação de espécimes exóticas como grama esmeralda, loureiro e palmeira imperial, que competem com a mata ciliar remanescente, habitat de inúmeras espécies animais; etc.

O Nobre Vereador Ítalo Cardoso fez um pronunciamento no Grande Expediente desta Câmara Municipal em 08.04.2010, em sessão presidida pelo Nobre Vereador Celso Jatene, denunciando esta “Muralha da China” e o despejo de concreto em grandes áreas alagáveis da Guarapiranga. Nesta ocasião, V. Ex.ª também se pronunciou em aparte. As notas taquigráficas, depois de transcritas, a pedido do Nobre Vereador pronunciante, foram remetidas ao Ministério Público do Estado de São Paulo e anexadas ao Inquérito Civil já em andamento na época como resultado de nossas denúncias, originárias da impossibilidade em se obter um mínimo avanço nas negociações com a Subprefeitura naquele momento. Posteriormente, em setembro, a Promotoria do Meio Ambiente do Ministério Público entrou com o Processo Público Civil Nº 05310031818-8 no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo contestando as obras do Parque Nove de Julho. O Processo continua em andamento.

Também o Deputado Federal Ivan Valente, em pronunciamento na Sessão do Congresso Nacional de 06.05.2010, denunciou as obras do Parque Nove de Julho, dando repercussão nacional ao assunto.

Todas estas questões que levantamos trouxeram conseqüências extremas para as águas da Represa Guarapiranga, para a fauna local e para os moradores do entorno, além do já citado prejuízo à flora. Num primeiro momento: extermínio das serpentes, sendo que parte delas invadiu residências adjacentes por perda de parte significativa de seu habitat natural e obviamente foram mortas pelos proprietários; aumento da população de ratos que também invadiram as residências pelo aumento de entulhos e lixo ao longo do gradil e diminuição de seus predadores naturais; aumento de pernilongos pelo corte da mata e aparecimento de poças d’água ao longo do gradil causado pelo despejo de saibro não permeável para constituir o suporte do gradil e construção da ciclovia; etc. Em momento posterior, de modo mais permanente: aumento do assoreamento da represa pelos aterros em que parte significativa de sua composição foi levada pelas enxurradas para dentro da várzea de do próprio curso d’água; diminuição dos criadouros de peixes e anuros por estreitamento da área de várzea; invasão de carros dentro do Parque Nove de Julho nas épocas de estiagem devido à utilização da faixa externa ao gradil desmatada como via automobilística e de estacionamento; aumento de despejo de entulhos nessa mesma faixa externa; fuga de aves locais e migratórias; fuga dos animais terrestres, especialmente o ratão do banhado; etc.

O Parque Nove de Julho foi considerado o local com a maior quantidade de espécies animais, segundo o levantamento oficial da avifauna realizado pela Prefeitura Municipal de São Paulo em 2009. Hoje é uma região “semidesértica” em termos animais, pela agressão que o meio ambiente sofreu com as obras de construção do parque. Mas essa situação ainda pode ser revertida.

Durante a exposição sobre os parques lineares da Guarapiranga e Billings que o Sr. Valdir Ferreira, Subprefeito da Subprefeitura Capela do Socorro e o Engenheiro Carlos Fortner, Chefe de Gabinete da Secretaria do Verde e Meio Ambiente fizeram perante esta Comissão por V. Ex.ª presidida, ambos enfatizaram a vocação da Represa do Guarapiranga para o turismo e a prática de esportes náuticos e que os parques vêm exatamente como parte do esforço de revitalizar a Avenida Atlântica, dentro destes aspectos, e impedir a ocupação ilegal de áreas públicas ao longo das represas. V. Ex.ª mesmo, em sua intervenção na Reunião da Comissão, afirmou que reside a muitos anos em Santo Amaro e que não mais se dirigia à Guarapiranga tal era o grau de degradação da mesma. Concordamos com V. Ex.ª. Áreas degradadas merecem, sim, intervenção no sentido de, no mínimo, evitar mais degradação e, se possível, tentar recuperá-las.

No entanto, dentro de tais preceitos, a construção do Parque Nove de Julho não se justifica. Não existiam invasões ou ocupações irregulares, até porque os moradores do entorno sempre se organizaram no sentido de evitá-las. As que existem, no momento, estão localizadas em áreas há anos muradas pela Subprefeitura e adjacentes à Avenida René de Jaegher, via principal e de grande trânsito. E a área onde se edificou o parque nunca foi degradada. Pelo contrário. Foi degradada exatamente pela construção do parque.

O Engenheiro Carlos Fortner disse perante esta Comissão Extraordinária Permanente do Meio Ambiente que “o Parque Nove de Julho situa-se numa área de várzea”. Não somos nós que dizemos, mas sim o próprio representante da Secretaria do Verde e Meio Ambiente do Município. E sendo várzea, sua principal vocação é a de ser criame de peixes, aves aquáticas e outros animais. Várzea é o equivalente fluvial do mangue marinho.

E não é apenas o Parque Nove de Julho. Parte do Parque São José também está localizada em área de várzea e abaixo da cota máxima de inundação e o Parque Castelo é uma série de caminhos de madeira sobre palafitas acima do espelho d’água, numa área também de várzea. Não sabemos quais conseqüências que este tipo de intervenção na natureza pode trazer para o desenvolvimento da flora e da fauna deste parque.

V. Exª há de convir conosco que se a ocupação de várzeas para constituição de parques lineares passar a ser regra geral e um critério oficialmente adotado, e ao que tudo indica já o é, então nada impedirá a completa destruição das represas de Interlagos por ausência de vida animal e vegetal, que são tão necessárias para um equilíbrio que definirá a própria qualidade da água que bebemos.

Não podemos concordar com estes conceitos perversos. Não podemos concordar que se criem parques e, ao mesmo tempo, juntem milhares de pessoas nas margens da Guarapiranga para apresentação de shows, árvores de natal, queimas de fogos na beira d’água, que causam um acúmulo de lixo não degradável e dentro das águas e a fuga de pássaros que não retornarão durante dias ou meses.

A Operação Defesa das Águas deveria adotar seu próprio nome como lema e grito de guerra: o maior bem da Guarapiranga são suas águas que abastecem 20% da população de São Paulo.

Senhor Presidente, V. Ex.ª falou aos presentes que a Comissão Extraordinária Permanente do Meio Ambiente já percorreu o trajeto dos parques de Interlagos por via aérea e fluvial e que na próxima vez percorrerá o circuito por via terrestre. Colocamo-nos, enquanto organização, à disposição da Comissão para acompanhá-los e apontar “in loco” os aspectos positivos e negativos, assim como detalhar os aspectos históricos da região, pois, como moradores, sabemos melhor do que ninguém o que se passa em “nosso quintal”. E, como disse o Subprefeito Valdir Ferreira, “o ano que vem é ano de eleições e novas autoridades poderão substituir as anteriores, mas a população do entorno das obras irão ficar”.

Gostaríamos, também, se possível, que num futuro próximo pudéssemos apresentar em Sessão da Comissão Extraordinária Permanente do Meio Ambiente da Câmara Municipal um painel em power point, onde explicaríamos o nosso ponto de vista, que nem sempre coincide com as dos Administradores da Prefeitura Municipal de São Paulo.

E por fim, dentro de alguma possibilidade, pedimos a anexação deste texto em Ata desta Comissão ou, numa alternativa, que seu conteúdo seja registrado de alguma forma, no presente ou futuro, nos Autos referentes à mesma.


Agradecemos V. Ex.ª pela atenção.


São Paulo, 27 de maio de 2011.


Eduardo Melander Filho
Diretor Presidente
Associação Movimento Garça Vermelha – MOGAVE
CNPJ 12.493.710.0001-80
Telefones: (11) 5972-5203 e (11) 8417-3197
Email: movimentogarcavermelha@gmail.com
Blog:


Com cópia para os:

- Nobre Vereador Francisco Chagas, Vice Presidente da Comissão Extraordinária Permanente do Meio Ambiente;
- Nobre Vereadora Sandra Tadeu;
- Nobre Vereador Floriano Pesaro;
- Nobre Vereador Ítalo Cardoso;
- Nobre Vereador Roberto Trípoli;
- Nobre Vereador Ushitaro Kamia;
- Engenheiro Carlos Fortner, Chefe de Gabinete da Secretaria do Verde e Meio Ambiente da Prefeitura Municipal de São Paulo;
- Dr. Valdir Ferreira, Subprefeito da Subprefeitura Capela do Socorro;
- Sra. Odete de Fátima Borges Silva, Diretora da SVMA-Sul 3”.

A Associação Movimento Garça Vermelha participou também da “Audiência Pública Sobre os Parques do Rodoanel Trecho Sul” em 25.05.2011, no CEU da Cidade Dutra.

Na ocasião, o Presidente do MOGAVE fez uma intervenção denunciando a política deliberada por parte da Prefeitura de invadir áreas de várzea para construir parques, destruindo o meio ambiente.

Alertou às Entidades próximas ao Rodoanel que, se não tomarem cuidado, o mesmo acontecerá nos quatro novos parques criados pelo consórcio Rodoanel e que foram passados para a Prefeitura administrar.

Questionou também os parques intermediários que servirão de corredores de fluxo gênico: podem servir de fluxo antrópico de ocupação daquela área limítrofe ao Rodoanel.

Sugeriu também a criação de Museus de Arqueologia na região, aproveitando o material recolhido em mais de uma dezena de sítios e ocorrências arqueológicas durante as obras do Rodoanel.