Processo Civil Público Ambiental - Contra Prefeitura, Estado de São Paulo, Cetesb, Daee e Emae

Parque Nove de Julho construído dentro da área inundável da Guarapiranga

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA DA
FAZENDA PÚBLICA DA CAPITAL.

Distribuição com urgência – pedido liminar.


O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO,
através da sua Promotoria de Justiça do Meio Ambiente, com fundamento nos artigos 127, “caput”, 129, inciso III, da Constituição Federal, artigo 25, inciso IV, letra “a”, da Lei Federal nº 8.625/93, artigo 103, inciso VIII, da Lei Complementar Estadual nº 734/93, e artigo 4º da Lei Federal nº 7347/85, vem à presença de Vossa Excelência propor

AÇÃO CIVIL PÚBLICA AMBIENTAL

em face do ESTADO DE SÃO PAULO, representado pela Procuradoria Geral do Estado, na pessoa de seu Procurador Geral (Constituição do Estado de São Paulo, artigo 99, inciso I) com sede na Rua Pamplona, n. 227, Jardim, Paulista, São Paulo/SP; da MUNICIPALIDADE DE SÃO PAULO, representada por sua Procuradoria Municipal, na pessoa de seu Procurador Geral (Lei Orgânica do Município de São Paulo, artigo 4º, inciso III) com sede na Rua Maria Paula, 270, Bela Vista, São Paulo/SP da EMPRESA METROPOLITANA DE ÁGUAS E ENERGIA – EMAE, cujo endereço é Avenida Nossa Senhora do Sabará, 5312, na cidade de São Paulo/SP, do DEPARTAMENTO DE ÁGUAS E ENERGIA ELÉTRICA – DAEE e da COMPANHIA AMBIENTAL DO ESTADO DE SÃO PAULO – CETESB, ambas representadas também pela Fazenda Pública do Estado de São Paulo conforme os fatos e o direito abaixo apontados.

I – Da represa Guarapiranga

A presente ação versa sobre danos ambientais no interior do reservatório Guarapiranga - área de proteção aos mananciais da Grande São Paulo, de responsabilidade direta e/ou indireta dos demandados.
O reservatório Guarapiranga, situado ao sul da cidade de São Paulo, constitui um dos principais mananciais de abastecimento de água da Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), respondendo pelo abastecimento de importante parcela desta população.
Essa represa foi construída na primeira metade do século passado entre os anos 1906 e 1909, através do represamento do Rio Guarapiranga pela Companhia Light & Power. A finalidade inicial da obra era a de produção de energia elétrica. Após 1928, a represa tornou-se a principal fonte para abastecimento público de São Paulo atendendo, hoje, cerca de quatro milhões de pessoas.
Por essa razão, em meados dos anos setenta foi criada uma legislação estadual específica para proteção desse reservatório, estabelecendo importantes limitações aos direitos de uso e ocupação do solo em seu entorno e de seus afluentes. A ideia dessa legislação, que será analisada em item posterior, era a de garantir um padrão de ocupação compatível as condições hídricas e geológicas para preservação da qualidade e quantidade de água nos corpos d’água em questão.
Hoje o fornecimento de água para consumo humano na metrópole paulistana depende desses reservatórios legalmente protegidos, pois não são suficientes as outras fontes existentes.
Segundo dados do próprio Estado de São Paulo1, a Guarapiranga “É também o mais ameaçado entre todos os que abastecem a RMSP. O quadro é preocupante. A população que vive ao redor da represa aumentou em quase 40% nos últimos anos (1991 e 2000) e é estimada em 800 mil pessoas. (...) A qualidade das águas dos rios e da represa piora ano a ano. Isto porque apenas metade dos habitantes da região tem algum sistema de coleta de esgotos e a maioria do esgoto coletado continua sendo despejada na represa.
Em 2003, mais da metade da área total da Bacia Hidrográfica da Guarapiranga encontrava-se alterada por atividades humanas. Parte dessa alteração (16%) diz respeito aos usos urbanos, e o restante a usos diversos, como agricultura, mineração e solo exposto. As áreas com vegetação remanescente de Mata Atlântica - essenciais para a manutenção da capacidade de produção hídrica e para o equilíbrio ambiental da região - ocupavam, em 2003, apenas 37% da área da bacia. Entre 1989 e 2003, as áreas urbanas aumentaram em 19%, e mais da metade deste crescimento se deu sobre áreas com severas restrições à ocupação. A situação é tão grave e descontrolada que nem as Áreas de Preservação Permanente (APPs) - protegidas por leis federal e estadual por serem áreas ambientalmente mais frágeis, como o entorno de rios e nascentes - foram poupadas. Parcela significativa destas áreas encontra-se ocupada por usos humanos, com sérias consequências para a produção de água”.

II – Conceitos
 Área de Preservação Permanente – APP : área marginal ao redor do reservatório artificial e suas ilhas, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem estar das populações humanas.2 No presente caso esta área compreende a faixa de 30 (trinta) metros a contar do nível máximo normal.
 Nível Máximo Norma l: é a cota máxima normal de operação do reservatório3. O nível máximo normal do Reservatório do Guarapiranga é definido pela cota 736,618 metros na referência de nível (ou datum) EPUSP, que corresponde à cota 737,77 metros na referência de nível IGG, sendo esta última adotada na cartografia oficial da EMPLASA.
 Áreas de Restrição à Ocupação – ARO : áreas de interesse para a proteção dos mananciais e a preservação, conservação e recuperação dos recursos naturais, além das definidas pela Constituição do Estado de São Paulo e por lei, como de preservação permanente. No presente caso, a ARO compreende a APP e também a faixa de 50 metros de largura a partir do nível máximo do reservatório, conforme incisos I e III do artigo 54 do Decreto 51.686/2007, regulamentador da Lei Estadual 12.233/2006, que instituiu a Área de Proteção e Recuperação dos Mananciais da Bacia do Guarapiranga.
 Áreas de Ocupação Dirigida – AOD : são aquelas de interesse para a consolidação ou implantação de usos urbanos ou rurais, desde que atendidos os requisitos que assegurem a manutenção das condições ambientais necessárias à produção de água em quantidade e qualidade para o abastecimento público.4
 Subáreas Envoltórias da Represa – SER : são aquelas localizadas ao redor do Reservatório Guarapiranga, destinadas ao lazer, à recreação e à valorização dos atributos cênico-paisagísticos.5
 Nível mais alto: nível alcançado por ocasião da cheia sazonal do curso d’água
perene ou intermitente.6

III – As investigações levadas a cabo pelo Ministério Público

Em março do corrente ano, esta Promotoria de Justiça do Meio Ambiente da Capital recebeu uma representação noticiando possíveis danos ambientais decorrentes da construção do Parque Nove de Julho, na represa do Guarapiranga. O
referido empreendimento, com a desculpa de “conter a deterioração da qualidade da água daquele que é um dos principais reservatórios de água potável para o abastecimento da cidade de São Paulo e parte da região metropolitana”7, pretende realizar intervenções significativas na área, as quais mostram-se prejudiciais ao meio
ambiente.
Além do aterramento para construção de quadras esportivas, as obras teriam acarretado o corte de vegetação nativa, impactos na avifauna silvestre, a impermeabilização da área inundável e da APP do Guarapiranga, a introdução de vegetação exótica na APP e no corpo d’água, a canalização de curso d’água bem como a movimentação de terra que contribui para o agravamento da erosão e o transporte de sedimentos para o corpo d’água.
O projeto, desenvolvido pela Subprefeitura Capela do Socorro, visa à implantação de um parque na área de proteção permanente do Guarapiranga sendo que, dos 523.380m² da área total do projeto, 400.111m² localizam-se no interior da represa, abaixo da linha de 736,18 metros (nível máximo normal). Portanto, 76,4% do parque está dentro da área de inundação sazonal do reservatório, ou seja, no interior do corpo d’água.
Estão projetados nesses terrenos periodicamente submersos a pista de caminhada de concreto, num trecho de 2.850,50 m²; a sede administrativa sobre pilotis; o portal de entrada nº 2; o playground; a pista de aeromodelismo; o campo de rúgbi; os três campos de futebol, sendo dois mini-campos, e o píer flutuante de plástico.
O referido projeto foi apresentado ao Departamento do Uso do Solo Metropolitano – DUSM e ao DEPRN. O primeiro mostrou-se favorável por se tratar de projeto que “visa a recuperação da área e, ainda, coibir a ocupação irregular”, porém, sendo o projeto básico deu parecer no sentido de que deve ser emitido Alvará de Licença Metropolitana para Obras Públicas Provisório de 6 (seis) meses a fim de que exista tempo hábil para a Prefeitura elaborar o projeto executivo e a autorização definitiva da EMAE8, proprietária do terreno. O Departamento Estadual de Proteção de Recursos Naturais – DEPRN, por sua vez, solicitou complementações nas informações oferecidas e, sobrevindo estas, a CETESB – órgão que pela Lei nº. 13.542, de 8 de maio de 2009, assumiu as funções do DUSM E DEPRN – analisou a documentação e emitiu, em 21 de janeiro de 2010, o Alvará de Licença Metropolitana para obras públicas nº. AD/33/0006/2010 (acostado às fls. 164/165 do inquérito civil anexo).
Em 11 de maio de 2010 a CETESB realizou vistoria nas obras de instalação do parque linear e, alegando que teria constatado a construção de vias e rotatórias em desacordo com a planta apresentada no processo, bem como que o traçado da cota de 736,618m efetuada na planta vinculada ao Alvará expedido encontrava-se em área inundada, entendeu que a demarcação foi realizada de forma equivocada, induzindo sua incorreta visualização no momento da analise técnica.
Em razão desta constatação o Alvará expedido foi enviado ao Departamento Jurídico da CETESB para apreciação quanto à sua validade, restando ao final cancelado. Segundo o referido Departamento, o alvará teria exacerbado a competência da CETESB, uma vez que autorizou a construção no interior do reservatório (o que segundo a assessoria jurídica da CETESB é competência do Departamento de Águas e Energia Elétrica – DAEE). Desta forma, condicionou as futuras manifestações da CETESB à prévia manifestação do DAEE.9
O DAEE por sua vez, por meio do ofício SUP/714/1010, comunicou à Subprefeitura que ela estaria isenta de requerer a outorga pelos seguintes fundamentos:

“o correspondente projeto apresentado, bem como as informações prestadas por essa Prefeitura estão condizentes no sentido de que não haverá usos ou interferências com recursos hídricos, na área destinada a implantação do parque. Portanto, fica a Prefeitura, neste caso, desobrigada ao cumprimento da Lei Estadual nº. 7.663 de 30/12/91, regulamentada pelo Decreto Estadual nº. 41.258 e Portaria DAEE nº. 717 de 12/12/96, que estabeleceu os procedimentos de outorgas”11.

Assim, observamos que os órgãos ambientais tentam furtar-se à responsabilidade das autorizações concedidas. A questão das atribuições será discutida em tópico posterior, mas adianta-se que tanto a CETESB, como órgão licenciador ambiental do Estado de São Paulo, e o DAEE, como órgão encarregado das outorgas, tinham o dever de se manifestar quanto à implantação do projeto e fiscalizar para que as leis ambientais fossem obedecidas.
O projeto do Parque Nove de Julho pode parecer, à primeira vista, de nobre intenção já que segundo informações da própria Prefeitura, o parque teria como objetivo a proteção da represa contra possíveis danos que viessem a ser causado pela ocupação urbana às suas margens.
Entretanto, insta observar que o dever da Administração Publica é proteger os recursos hídricos e não degradá-los para impedir que outros o façam. Ao instalar um parque no interior do reservatório, a Administração dá azo para que particulares também reivindiquem o direito de poder construir às margens da represa quiçá dentro dela, como fez a Subprefeitura de Capela do Socorro.
Ademais, se a Subprefeitura pode implantar calçada de concreto sobre rocha e postos da administração sobre pilotis dentro da área inundável do reservatório, os visitantes do parque poderão concluir que eles também têm esse direito. Aliás é provável que as soluções de engenharia empregadas no local, como pilotis e base de rochas, sirvam como modelo, inspirando potenciais invasores que não conheciam essas técnicas para construir dentro do Reservatório do Guarapiranga e de outros corpos d’água.

IV. Das atribuições dos órgãos ambientais

Como já dito anteriormente, a CETESB pronunciou-se incompetente para se manifestar quanto à parte do projeto que esta imersa na água, ou seja, a parte que foi construída na área de várzea da represa. Entretanto observamos que o artigo 2º da Lei nº 11812, de 29 de junho de 1973, em seu inciso I assim dispõe: A CETESB tem a atribuição de "proceder ao licenciamento ambiental de estabelecimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, considerados efetiva e potencialmente poluidores, bem como capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental". (g/n)
Nestes termos, fica claro que a CETESB é o órgão competente para expedir Alvarás e licenças que dizem respeito a atividades poluidoras, potencialmente poluidoras e aquelas que, sob qualquer forma, possam causar degradação do meio ambiente, como é o caso.
O outro argumento utilizado pela CETESB é de que a ela cabe tutelar as atividades desenvolvidas na área de APP, mas não no interior do reservatório, posto que este trecho não estaria incluído nas proteções legais. Vejamos.
A Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965 (Código Florestal) assim anota:

“Art. 1º (...)
§ 2º. Para os efeitos deste Código, entende-se por:
(...)
II - área de preservação permanente: área protegida nos termos dos arts. 2º e 3º desta Lei, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas;
(...)
Art. 2° Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito desta Lei, as florestas e demais formas de vegetação natural situadas:
(...)
b) ao redor das lagoas, lagos ou reservatórios d'água naturais ou artificiais;”

E a Resolução CONAMA nº 004, de 18 de setembro de 1985 prevê:

“Art. 3º - São Reservas Ecológicas:
(...)
b) as florestas e demais formas de vegetação natural situadas:
(...)
II - ao redor das lagoas, lagos ou reservatórios d'água naturais ou artificiais, desde o seu nível mais alto medido horizontalmente, em faixa marginal cuja largura mínima será:
- de 30 (trinta) metros para os que estejam situados em áreas urbanas;
(...)”

E ainda, o mesmo artigo 2º da Lei nº 11813, de 29 de junho de 1973, prevê em seus demais incisos também ser atribuição da CETESB:

“III - emitir alvarás e licenças relativas ao uso e ocupação do solo em áreas de proteção de mananciais;
VI - executar o monitoramento ambiental, em especial da qualidade dos recursos hídricos superficiais e subterrâneos, do ar e do solo;
VII - efetuar exames e análises necessários ao exercício das atividades de licenciamento, fiscalização e monitoramento ambiental;”

Da análise dos referidos artigos colacionados temos que mesmo não se tratando de APP, o reservatório é uma área de proteção, pois de nada adiantaria salvaguardar as APPs, que têm a função ambiental de preservar os recursos hídricos, e não resguardar o próprio reservatório. E, sendo este protegido, cabe à CETESB, único órgão competente para expedir este tipo de licença ambiental, tutelar pelo patrimônio público em questão, ou seja, a represa de Guarapiranga. Além disso, no próprio sítio virtual da Companhia está escrito que a ela cabe emitir parecer de viabilidade em área de proteção de mananciais bem como autorização para supressão de vegetação nativa e/ou intervenção em áreas de preservação permanente14.
Já no que diz respeito à responsabilidade do DAEE, pode-se afirmar que a ele cabe conceder as outorgas para utilização dos recursos hídricos. O texto infra transcrito do sítio virtual do referido Departamento embasa nossa afirmativa. “Se uma pessoa quiser fazer uso das águas de um rio, lago ou mesmo de águas subterrâneas, terá que solicitar uma autorização, concessão ou licença (Outorga) ao Poder Público. O uso mencionado refere-se, por exemplo, à captação de água para processo industrial ou irrigação, ao lançamento de efluentes industriais ou urbanos, ou ainda à construção de obras hidráulicas como barragens, canalizações de rios, execução de poços profundos, etc.
A outorga de direito de uso ou interferência de recursos hídricos é um ato administrativo, de autorização ou concessão, mediante o qual o Poder Público faculta ao outorgado fazer uso da água por determinado tempo, finalidade e condição expressa no respectivo ato.
Constitui-se num instrumento da Política Estadual de Recursos Hídricos, essencial à compatibilização harmônica entre os anseios da sociedade e as responsabilidades e deveres que devem ser exercidas pelo Poder concedente.
No Estado de São Paulo cabe ao DAEE o poder outorgante, por intermédio do Decreto 41.258, de 31/10/96, de acordo com o artigo 7º das disposições transitórias da Lei 7.663/91”.15
Transcrevemos aqui o mencionado dispositivo da Lei nº 7.66316, de 30
de dezembro de 1991.

“Das disposições transitórias
art. 7º Compete ao Departamento de Águas e Energia Elétrica - DAEE, no âmbito do Sistema Integrado de Gerenciamento de Recursos Hídricos - SIGRH, exercer as atribuições que lhe forem conferidas por ele, especialmente:
I - autorizar a implantação de empreendimentos que demandem o uso de recursos hídricos, em conformidade com o disposto no art. 9º desta lei, sempre prejuízo da licença ambiental;
Capítulo II - Dos Instrumentos da Política Estadual de Recursos Hídricos
Seção I - Da Outorga de Direitos de Uso dos Recursos Hídricos
art. 9º: A implantação de qualquer empreendimento que demanda a utilização de recursos hídricos, superficiais ou subterrâneos, a execução de obras ou serviços que alterem seu regime, qualidade ou quantidade dependerá de prévia manifestação, autorização ou licença dos órgãos e entidades competentes.” (g/n)

Como se pode observar é inegável a responsabilidade do DAEE.
Assim, não se trata de ser exclusiva responsabilidade de um órgão ou de outro – CETESB ou DAEE –, trata-se de responsabilidade concorrente, cabendo ao DAEE a concessão da outorga e à CETESB a da licença ambiental, sendo que o recebimento de outorga não implica em necessária obtenção da licença posto que caberá à CETESB proceder à analise técnica do projeto bem como ponderar os impactos ambientais que dele advierem.
Vale ressaltar, porém, que a apresentação da outorga deve ser anterior à obtenção da licença, é o que se depreende da análise do dispositivo da Resolução CONAMA nº 237, de 19 de dezembro de 1997.

“Art. 10 - O procedimento de licenciamento ambiental obedecerá às
seguintes etapas:
§ 1º - No procedimento de licenciamento ambiental deverá constar, obrigatoriamente, a certidão da Prefeitura Municipal, declarando que o local e o tipo de empreendimento ou atividade estão em conformidade com a legislação aplicável ao uso e ocupação do solo e, quando for o caso, a autorização para supressão de vegetação e a outorga para o uso da água, emitidas pelos órgãos competentes”.

Mais uma vez transcrevemos texto retirado do sitio virtual da CETESB o qual explica como se dá a articulação entre o licenciamento ambiental e a outorga.

“A Resolução Conjunta SMA-SERHS n° 1 de 23/02/05 que regula o Procedimento para o Licenciamento Ambiental Integrado às Outorgas de Recursos Hídricos, determina que nos empreendimentos sujeitos ao licenciamento ambiental e que tenham interface com recursos hídricos:
1. a emissão da Licença Prévia (LP) pela CBPRN/SMA ou pela CETESB terá como pré-requisito a outorga de implantação de empreendimento emitida pelo DAEE;
2. a emissão da outorga de direito de uso ou interferência nos recursos hídricos pelo DAEE terá como pré-requisito a Licença de Instalação (LI) emitida pela CETESB;
3. a emissão da Licença de Operação (LO) pela CETESB terá como prérequisito a outorga de direito de uso ou interferência nos recursos hídricos emitida pelo DAEE”.17 (g/n)

V – Dos impactos ambientais causados

Inicialmente cumpre esclarecer que a maior parte do parque (76,4% do parque), situa-se no leito maior sazonal (várzea) e na área de preservação permanente da Guarapiranga, encontrando-se submersa, ou seja, fora construída no interior da represa, estando abaixo do nível máximo normal (736,618 metros como já dito anteriormente).
Frise-se que a várzea é tecnicamente considerada leito de curso d’água, integrando o seu nível mais alto (“leito maior sazonal”) e área de reprodução e “berçário” da fauna ictiológica, portanto, insusceptível de qualquer forma de intervenção antrópica.
Inúmeros impactos ambientais serão causados como se poderá ver nos próximos parágrafos onde faremos um breve resumo.

a) Impermeabilização da área inundável e da APP de Guarapiranga

De acordo com o projeto de fls. 224 do inquérito anexo, a implantação da pista de concreto resultará na impermeabilização de 5.096,97 m², dos quais 2.850,50 m² ficam dentro da área inundável e 1.931,47 m² na APP, que também se enquadra como ARO e Faixa de 1ª Categoria. Dessa pista, 75% já foram construídas, o que corresponde a 3.822,7 m² de área impermeabilizada.
O processo de impermeabilização impossibilita a infiltração de água no solo e provoca aumento da vazão das águas de escoamento superficial, intensificando o processo erosivo e favorecendo inundações.
A principal função do reservatório quando está abaixo do nível máximo normal é o abastecimento público. Por isso, não se pode admitir a realização de qualquer atividade que possa comprometer essa reserva hídrica. O rebaixamento sazonal do nível não pode justificar a impermeabilização dessa área.
A propósito, entre os danos decorrentes da implantação do parque estão os dois principais fatores apontados por especialistas como causadores das trágicas inundações que assolam a capital: a impermeabilização do solo e a destruição
das várzeas, que será tratada no item a seguir.

b) Supressão de vegetação nativa

O memorial descritivo da construção do Parque Nove de Julho elaborado pela Subprefeitura de Capela do Socorro (fl. 166 do inquérito civil anexo) prevê supressão da cobertura vegetal nativa, que já foi realizada. Ocorre que a supressão incidiu sobre vegetação natural de várzea, característica de terrenos brejosos e encharcados onde predomina a espécie taboa (Typha sp), que tem relevante utilidade no controle de inundações, funcionando como esponjas que absorvem o excesso de água em períodos de cheia.
A destruição de várzeas na APP e no corpo d’água contraria diretriz do Relatório de Impacto ao Meio Ambiente (RIMA) referente ao Programa de Saneamento Ambiental da Bacia do Guarapiranga que prevê o repovoamento vegetal das margens do reservatório, várzeas dos córregos e áreas públicas (conforme fls. 199 do IC).
Ressalta-se ainda que o Parque Nove de Julho está totalmente inserido em área descrita no documento “Vegetação Significativa do Município de São Paulo” - Carta 52 e página 400, Agrupamento de Vegetação - Ag. 07 - Represa de Guarapiranga, onde todos os exemplares arbóreos são considerados Patrimônio Ambiental do município, de acordo com o Decreto Estadual n° 30.443/89, artigo 1º (conforme parecer técnico de fls. 240/260).
Outrossim, o Alvará de Licença Metropolitana para Obras Públicas nº AD 33/0006/2010 expedido pela CETESB (fls. 164 e 165) não faz nenhuma menção à supressão de vegetação natural nem se refere à incidência de Patrimônio Ambiental e Vegetação Significativa do Município de São Paulo.

c) Impactos sobre a avifauna silvestre

A área onde está sendo implantado o Parque Nove de Julho caracteriza-se como um importante habitat para a avifauna silvestre. Na vistoria realizada pelo assistente técnico deste Parquet foi possível identificar exemplares de pica-pau, sabiá, tiê, bentevi, beija-flor, rolinha, irerê, biguá, garça e quero-quero.
A permanência das aves está ameaçada pelo avanço das obras sobre locais antes destinados ao seu abrigo e alimentação. A área de inundação sazonal que está sendo indevidamente ocupada pela infraestrutura do parque é o habitat natural das aves aquáticas abundantes no local, como irerês, biguás e garças.
Além disso, a geração de ruídos pelas máquinas, caminhões e equipamentos envolvidos nas obras de implantação do parque provoca o afugentamento da rica avifauna abrigada na área. Esse problema deverá prosseguir com a abertura para visitação, gerando aumento exponencial do fluxo de pessoas e veículos no local.

d) Introdução de vegetação exótica na APP e no corpo d’água

Além da supressão de vegetação nativa, ainda se pretende introduzir vegetação exótica na APP e na área inundável da Guarapiranga. Os projetos básicos18 prevêem o plantio das espécies exóticas como palmeira imperial, grama esmeralda e lírios em áreas dos três portais de entrada do parque que se sobrepõem a trechos da APP e do corpo d’água.
Como observa o assistente técnico do Ministério Público, o repovoamento vegetal, principalmente em áreas de preservação permanente, deve sempre preconizar o plantio de espécies pertencentes à flora nativa regional, visto que compõem o habitat natural da fauna silvestre, atraindo e proporcionando condições ideais de abrigo e alimentação especialmente à riquíssima avifauna presente na região.
Há que se considerar ainda o risco da dispersão e colonização descontroladas de plantas exóticas, facilitada pelo avanço e recuo do nível do reservatório, podendo interferir negativamente na dinâmica de ecossistemas naturais e prejudicar a recuperação da vegetação nativa.
A introdução de vegetação exótica contraria diretriz do Relatório de Impacto ao Meio Ambiente (RIMA) do Programa de Saneamento Ambiental da Bacia do Guarapiranga que prevê o repovoamento vegetal com espécies nativas das margens do reservatório.

e) Canalização de curso d’água

Outros danos apontados no relatório de fls. 240/260 do inquérito são a canalização de curso d’água nas imediações das ruas Francisco Carvalho de Andrade e Relva Velha, o qual além de não estar previsto no Alvará de Licença Metropolitana para Obras Públicas nº AD 33/0006/2010 também não contou com a concessão de outorga pelo DAEE. Esta canalização pode resultar em assoreamento ou obstruções, que dificultam ou impedem o escoamento natural das águas, podendo agravar inundações.
Houve também a descaracterização da área de APP pelo depósito de material de aterro entre o prolongamento da Rua Venceslau Ralish e da Rua Agostinho Teixeira de Lima. As obras nesse trecho e o posterior abandono da terra solta na superfície terraplanada e em montes na lateral da área provocaram a intensificação do processo erosivo.
Os elementos até o momento verificados apontam claramente que a implantação do Parque Nove de Julho constitui uma violência à preservação do meio ambiente em suas mais diversas formas e, se concretizado, configurará perda irreparável para as presentes e as futuras gerações.
A análise da atividade administrativa do Município que se evidencia no presente caso, permite compreender como se desenvolve o processo pelo qual a região dos mananciais sul da cidade vinham e vêm sendo objeto de constante degradação ambiental, devida, em grande parte, à ineficiência e até mesmo à má fé com que a Administração Pública e seus agentes tratam a legislação específica. É o que se verá a seguir.

VI – Do direito – A ofensa aos dispositivos ambientais pelo projeto em pauta

Incontestável a afirmação de que a água possui valor inestimável. De fato, a água é um fator determinante na manutenção dos ciclos biológicos, geológicos e químicos, fundamental para o equilíbrio dos ecossistemas e indispensável à produção e ao desenvolvimento econômico. Além disso, é ainda bem cultural e social, imprescindível à sobrevivência e à qualidade de vida da população.
A despeito de ¾ da superfície de nosso planeta ser coberta com água, apenas 2,5% desse total é formado por água doce, e menos de 1% é acessível para o consumo humano. Atualmente, cerca de 1/5 da humanidade não dispõe de água potável.
Afortunadamente, mais de 8% do que pode ser utilizado no planeta está no Brasil. Todavia, segundo Edis Milaré19, essa proverbial abundância, é na verdade
relativa. O “problema mais grave desse cenário é a permanente contaminação da água limpa que ainda temos: jogamos sistematicamente, há décadas, mais de 90% de nosso esgoto doméstico e cerca de 70% das descargas industriais nos rios, lagos e represas, contaminando, assim, o solo, a água de superfície e as águas subterrâneas”.
A Constituição Federal de 1988, trazendo inovação ao ordenamento jurídico, elevou o meio ambiente à categoria de valor constitucional, cumprindo papel fundamental na preservação da dignidade da pessoa humana, tendo em vista sua essencialidade à sadia qualidade de vida da população, motivo pelo qual foi outorgado à coletividade e também ao Estado o dever de protegê-lo nas suas mais diferentes manifestações no interesse das gerações presentes e vindouras.
Com isso, verifica-se que Texto hoje vigente, estabeleceu de maneira taxativa a proteção ao meio ambiente como um de seus valores basilares captando “a consciência de que é preciso aprender a conviver harmoniosamente com a natureza, traduzindo em vários dispositivos aquilo que pode ser considerado um dos sistemas mais abrangentes e atuais do mundo sobre a tutela do meio ambiente. A dimensão conferida ao tema não se resume, a bem ver, aos dispositivos concentrados especialmente no Capítulo VI do Título VIII”20.
É o que se observa no artigo 225, caput, dentro das atribuições do Poder de Polícia do estado, como se pode observar do aludido texto transcrito a seguir:

“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondose ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.”

Destarte, o dever estatal de proteção ao meio ambiente exsurge latente
da Carta Magna, de seu artigo 23, a saber:

“Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:
(...)
VI - proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas”.

A mesma sorte seguiu a legislação infraconstitucional. Por anos a fio, nosso país não teve, efetivamente, uma Política Nacional do Meio Ambiente. A primeira medida concreta, objetivando atender aos anseios de preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental, assegurando em nosso país condições sadias de desenvolvimento socioeconômico e visando atender os interesses da segurança nacional e proteção da dignidade da vida humana apenas se deu em 1981, com a Lei 6.938/81, que institui a Política Nacional do Meio Ambiente.
A Lei da Política Nacional do Meio Ambiente21 (LPNMA) prevê a imposição, a todo e qualquer degradador do meio ambiente, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados, independentemente de existência de culpa22, e, em especial, às pessoas físicas ou jurídicas que, de qualquer modo, degradarem as florestas e demais formas de vegetação natural de preservação permanente23.
Por sua vez, uma política nacional para o tema das águas, dentro de um quadro de desenvolvimento sustentável, concretizou-se unicamente em 1997 com a Lei n. 9.433 que instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos e criou o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos. Essa lei buscou reunir os diversos órgãos a fim de estabelecer um padrão para utilização racional dos recursos hídricos, assegurando sua disponibilidade às próximas gerações. Posteriormente, a Lei n. 9.984/00 criou a Agência Nacional de Águas – ANA com a finalidade de implementar a Política Nacional de Recursos Hídricos.
Ressalte-se que, ao fazer isso, o legislador viabilizou uma importantíssima rede de proteção ao meio ambiente. Entre os diversos instrumentos aptos a torná-la operante, é possível observar a chamada responsabilidade objetiva do poluidor, insculpida no artigo 14, §1°, da Lei 6.938/81:

“Art. 14, §1°, Lei 6.938/81: Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência da culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente.”

De todo o exposto fica claro que a intenção do legislador, foi, acima de tudo, garantir uma efetiva proteção ao meio ambiente.
A necessidade de preservar os recursos hídricos é de conhecimento público e é refletida nos diversos tratados internacionais sobre o tema. Reconhecido como recurso ambiental primário, em nosso país as águas beneficiam-se de ampla proteção do Estado seja na esfera federal, estadual ou ainda municipal.
Convém destacar que a legislação estadual estabelece, áreas denominadas de 1ª categoria24 de acordo com a proximidade do corpo d’água, sendo esta definição utilizada para fins de controle da ocupação admitida.
O artigo 8º da Lei Estadual 898, de 18.12.1975, estabelece:

“nas áreas ou faixas de maior restrição, denominadas de 1ª categoria, somente serão permitidas atividades recreativas e obras ou serviços indispensáveis ao uso e aproveitamento do recurso hídrico, desde que não coloquem em risco a qualidade da água.”

As obras de responsabilidade das empresas demandadas abrangeram áreas dessa categoria, não se tratando de obra ou atividade excepcionadas pelo dispositivo legal.
Houve, também, violação da Lei Estadual nº. 1.172/76. Esta lei delimita as áreas de proteção dos mananciais, cursos e reservatórios de água de interesse da Região Metropolitana da Grande São Paulo.
O artigo 10 dessa Lei Estadual determina:

“nas áreas ou faixas de 1ª categoria ou maior restrição, somente são permitidos serviços, obras e edificações destinados a proteção de mananciais, a regularização de vazões com fins múltiplos, ao controle de cheias e a utilização de águas previstas no artigo 8º.”25

As exceções, por certo, não beneficiam aos réus. São os usos permitidos nessa áreas de 1ª categoria: “I – pesca; II – excursionismo, excetuando o campismo; III – natação; IV – esportes náuticos; V – outros esportes ao ar livre que não importem em instalações permanentes e quaisquer edificações ressalvando o disposto no artigo 10”26.
Não bastasse a infringência das normas estaduais de proteção aos mananciais, as obras atacadas pela presente ação violaram, também, o artigo 2º, da Lei 4.771/65, o Código Florestal..
Esta área definida como áreas de preservação permanente são as chamadas matas ciliares, cujo objetivo é garantir as condições geológicas e de isolamento sanitário dos cursos d’água.
Ora, trata-se de área de mananciais, sendo as condições de permeabilidade do solo e a preservação cobertura florestal primordiais na manutenção dos recursos hídricos.
Igualmente, a impermeabilização levada a cabo, é também lesiva aos mananciais, pois é responsável por forte elevação da poluição de arrasto, isto é, os resíduos e sujidades que as águas da chuva arrastam para os mananciais. Esse tipo de poluição é responsável por significativa parcela da carga de poluentes recebidos pelos reservatórios sob influência de áreas urbanas.
Dentro deste contexto, o que se esperava da Prefeitura Municipal é a proteção de um bem tão valioso.
De acordo com o projeto de implantação, 101.644 m² do Parque Nove de Julho situam-se em área de preservação permanente assim definida pelo artigo 2º,
alínea “b”, da Lei Federal 4.771/65 e pela Resolução CONAMA 302/2002 em seu
artigo 3º, inciso I, ipsis litteris.

“Art. 2° Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito desta Lei, as florestas e demais formas de vegetação natural situadas:
(...)
b) ao redor das lagoas, lagos ou reservatórios d'água naturais ou artificiais”;27
“Art 3º Constitui Área de Preservação Permanente a área com largura mínima, em projeção horizontal, no entorno dos reservatórios artificiais, medida a partir do nível máximo normal de:
I - trinta metros para os reservatórios artificiais situados em áreas urbanas consolidadas e cem metros para áreas rurais”;28

A mesma lei em seu artigo 1°, parágrafo 2º, inciso II definiu o conceito de APP, como anteriormente mencionamos29, sendo que objetivo do legislador ao instituir esse espaço territorial especialmente protegido foi ressaltar sua função e importância ecológica, em especial no que se refere à manutenção da integridade dos ecossistemas e da qualidade ambiental do meio.
Assim, a proteção deferida a estes espaços territoriais especiais está assegurada em diversos diplomas legais, tanto em âmbito federal, como nas Leis nº. 6.938/81 e nº. 4.771/65, e especialmente em relação ao caso em questão, no âmbito estadual, as Leis nº. 898, de 18.12.1975, e nº. 1.172, de 17.11.76.
À respeito, Édis Milaré30:

“Como se vê, as APPs têm esse papel (maravilhoso, aliás!) de abrigar a biodiversidade e promover a propagação da vida; assegurar a qualidade do solo e garantir o armazenamento do recurso água em condições favoráveis de quantidade e qualidade; já a paisagem é intrinsecamente ligada aos componentes do ecossistema. E mais, têm muito a ver com o bem-estar humano das populações que estão em seu entorno, contribuindo para a sadia qualidade de vida assegurada no caput do art. 225 da Constituição Federal”.

Nesses espaços territoriais especialmente protegidos a intervenção e/ou supressão poderão ocorrer apenas em hipóteses excepcionais, nas quais, conforme Resolução Conama 369/2006 não haja alternativa técnica e locacional ao projeto proposto e inexistência de risco de agravamento de processos como enchentes e erosão, entre outros condicionantes.
Além de afetar a área de preservação permanente e comprometer o desempenho de suas funções, sobretudo a sua função de preservar os recursos hídricos (corpo d’água Guarapiranga) e de assegurar o bem-estar das populações humanas que dependem da água ali reservada, também o próprio recurso hídrico será afetado.
Não bastasse a implantação do parque ter ocorrido em área de preservação permanente, também encontra-se em Área de Restrição à Ocupação (ARO) prevista na Lei Estadual 12.233/2006 e no Decreto 51.686/2007, porque localizado na faixa de 50 metros ao redor do reservatório31.
Estes danos nenhuma hipótese poderiam ter sido admitidos no interior da “ARO”, pois afrontam o art. 11 da Lei 12.233/06 e o art. 54 do Decreto 51.686/07, que definem as Áreas de Restrição à Ocupação como de especial interesse para a preservação, conservação e recuperação dos recursos naturais da bacia.
Mas ao invés de preservar e recuperar, as obras de implantação do parque vêm causando a degradação dos recursos naturais mediante impermeabilização do solo, destruição de várzea, intensificação da erosão, afugentamento da avifauna e introdução de espécies vegetais exóticas. Mas o pior de tudo é que a implantação do parque afetará diretamente a qualidade da água do reservatório Guarapiranga que, como já assinalado anteriormente, é o responsável pelo abastecimento de água de quase ¼ da população metropolitana de São Paulo.
Tais danos são prejudiciais à produção de água no reservatório do Guarapiranga, afrontando desta forma o § 1º do artigo 11 da Lei 12.233/06 que estabelece a destinação prioritária das “ARO” à produção de água. Se as disposições legais determinam que na faixa ao redor do reservatório seja priorizada a produção de água, parece óbvio que a mesma destinação deva ser dada à sua área inundável.
Em que pese a referida proteção ambiental prevista, observa o assistente técnico do Ministério Público em seu parecer que o enquadramento feito pelo licenciador no Alvará de Licença Metropolitana para Obras Públicas nº. AD 33/0006/2010 deu-se de forma grosseiramente errada32.
As referidas áreas não foram discriminadas nas plantas que acompanharam o alvará e, como a “ARO” corresponde à faixa de 50 metros da margem (19,4% do parque), conclui-se, por exclusão, que a área restante só pode ter sido enquadrada pelo licenciador como “AOD-SER”, incluindo os terrenos inundáveis em 76,4% da superfície do parque.
Trata-se, porém, de enquadramento infundado que não condiz nem com a denominação da área nem com o texto da lei. O setor inundável não pode em nenhuma hipótese estar inserido na Subárea Envoltória da Represa – “SER”, pois é interno ao reservatório, está dentro do corpo d’água e não em volta deste, e referida classificação contraria o artigo 32 da Lei 12.233/06 que estabelece que as Subáreas Envoltórias da Represa (SER) são aquelas localizadas ao redor do reservatório.
Vale ressaltar que nas “SER” são permitidos empreendimentos com lotes mínimos de 500 m² e também é possível a construção de edificações com gabarito máximo de dois pavimentos. E mais. A “SER” é uma subárea das Áreas de Ocupação Dirigida, que são aquelas de interesse para a consolidação ou implantação de usos urbanos ou rurais, conforme artigo 13 da Lei 12.233/06, o que é totalmente incompatível com a função de produção e preservação hídrica do corpo d’água.
Outrossim, o projeto licenciado pela CETESB não respeitou a faixa não-edificável (originalmente non aedificandi) de 15 metros ao longo das águas correntes e dormentes prevista na Lei Lehmann33, pois estão projetados sobre essa faixa trechos da pista de caminhada, rua, os portais de entrada 1 e 3 e as duas sedes da administração sobre pilotis.
A propósito, está consolidado e consagrado na aplicação da Lei Lehmann que o termo não-edificável não se restringe à ideia de edifício, mas sim de qualquer intervenção humana, contemplando, por exemplo, calçadas e ruas. Entende-se que essa mesma interpretação deva nortear a aplicação do artigo 12, inciso I, da Lei 12.233/06 que admite alguns usos na “ARO” desde que não exijam edificações. Afinal, se essa interpretação mais restritiva vale para qualquer loteamento, muito mais justificável a sua aplicação na margem de um grande reservatório de abastecimento público na faixa de maior restrição da área de proteção e recuperação de mananciais.
Deste modo, a implantação do Parque Nove de Julho em área de preservação ambiental, além desconsiderar a fragilidade ecológica e geológica do local, de contrariar os fins da Administração Pública e o princípio da legalidade, revela concreta lesão a interesses difusos, justificando a medida pleiteada.
O que se expôs até aqui é um triste retrato de como a Administração Pública vem atuando em prejuízo de recursos naturais tão vitais para a sobrevivência da grande metrópole de São Paulo.
Obras como a impugnada pela presente ação, são realizadas em completo descompasso ao interesse público e ao arrepio da lei, significando um importante sinal da fraqueza dos órgãos estatais em garantir condições ambientalmente adequadas para aquela região, alimentando a desenfreada degradação ambiental que hoje se conhece.

VII – Das responsabilidades

Foram incluídos no pólo passivo da presente ação não somente a executora do projeto de implantação do Parque Nove de Julho, a Municipalidade, como também o Estado de São Paulo, a CETESB e o DAEE.
A responsabilidade da Municipalidade resta cabalmente demonstrada nos presentes autos já que além de ter sido de sua responsabilidade a implementação do parque, ela também é, como ente da Administração Pública, responsável por zelar pelo meio ambiente.
Antes de entrarmos no mérito da responsabilidade do Estado insta esclarecer o que são e qual é a natureza jurídica da CETESB e do DAEE.
A CETESB, embora constituída sob a forma de sociedade de economia mista e dotada de personalidade jurídica, ostenta a condição de verdadeiro órgão do Estado de São Paulo, incumbido do controle da poluição do meio ambiente em todo o território estadual.
Ressalte-se que a Lei Estadual n. 118/1973, ao autorizar a constituição de sociedade por ações, sob a denominação de CETESB, estabeleceu, de forma expressa, tratar-se de órgão delegado do Governo do Estado de São Paulo, encarregado do controle da poluição (art. 2º), inclusive com poder de polícia administrativa.
Trata-se, à evidência, de órgão público sui generis, já que, apesar dessa sua qualidade, foi constituído, como referido, sob a forma de sociedade de economia mista, sendo entidade dotada de personalidade jurídica.
De toda sorte, o que resulta certo é que, substancialmente, a CETESB se apresenta como ente dotado de competência para o exercício de função estatal – o controle da poluição ambiental no Estado de São Paulo -, cuja atuação é, no final das contas, para o que aqui interessa, imputada ao próprio Estado de São Paulo. Daí por que a atividade desenvolvida pela CETESB em tema de emissão de licenças ambientais, deve ser tida como atividade do próprio Estado de São Paulo, tal como se passa, de regra, com a atuação dos autênticos órgãos públicos.
A propósito, cumpre invocar o entendimento de Marcelo Augusto Santana de Melo, Diretor de Meio Ambiente do Instituto de Registro Imobiliário do Brasil – IRIB, encampado expressamente por este último:

“A Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental – CETESB, constituída pela Lei Estadual n. 118, de 29 de junho de 1973, possui a natureza jurídica de sociedade de economia mista, (...).
Ocorre que a CETESB é órgão delegado do Governo do Estado de São Paulo para, dentre outras atribuições, o exercício do poder de polícia administrativa para o controle da poluição em todo o território do Estado de São Paulo, conforme estabelecido pela Lei n. 118/73 e pela Lei n. 997/76, cujo regulamento foi aprovado pelo Decreto n. 8.468/76 e suas alterações
(...)”.

Portanto, em que pese a circunstância de se tratar de pessoa jurídica constituída como sociedade de economia mista, a CETESB, na hipótese em discussão, expressa, verdadeiramente, a vontade do Estado de São Paulo.34
Já quanto ao DAEE, este é órgão gestor dos recursos hídricos do Estado de São Paulo e, sendo órgão, também expressa a vontade do ente a que pertence, no caso, o Estado.35
Assim sendo, o Estado de São Paulo responderá pelos atos de seus órgãos, já que estes são partes de um todo, que é o próprio Estado.
Na presente ação, o que se pretende dos referidos órgãos e, por isso, sua inclusão no pólo passivo, é que cumpram com suas atribuições, ou seja, pretende-se que a CETESB e o DAEE, no exercício de suas funções, deem fiel cumprimento à legislação ambiental, deixando de emitir licenças e outorgas no que concerne à construção de parques no interior e ao redor, na faixa de 50 metros depois do nível máximo da água, do reservatório, já que estas afrontam inúmeros dispositivos legais, como acima explicitado.
Já a EMAE, que é uma empresa de prestação de serviços públicos de produção de energia elétrica por concessão da União, tendo como Poder Concedente a ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica, subordinada ao Ministério das Minas e Energia, possui personalidade jurídica própria, podendo responder por seus atos e figurar no pólo passivo da presente ação.
Esta empresa é encarregada de controlar o volume de água do Rio Pinheiros, da Represa de Guarapiranga, da Usina Elevatória de Traição e Usina Hidrelétrica Henry Borden.36 A EMAE, fundada em 1998 a partir da cisão da antiga estatal Eletropaulo, atua, igualmente, na prestação remunerada de serviços ao DAEE – Departamento de Águas e Energia Elétrica, órgão do governo do Estado de São Paulo, no que concerne às atividades que o mesmo desenvolve no controle de cheias do sistema hidráulico Tietê/Pinheiros.37
A EMAE é também, como sucessora da ELETROPAULO, proprietária da área e o projeto dependia de sua aprovação, conforme se depreende do item 6 das “exigência técnicas” do alvará de fls. 276/277 do IC, o que não ocorreu conforme se observa do ofício de fls. 264 também do IC.
Além da responsabilidade evidente pelos danos que causaram, podemos afirmar que mesmo que tenham agido sem culpa, os réus são, ainda sim, responsáveis por seus atos. Isto porque existe a obrigação constitucional de não se degradar o meio ambiente e dessa obrigação38 decorre o dever de defendê-lo e preserválo para as presentes e futuras gerações. 39
O responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental está obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar e/ou reparar os danos causados ao meio ambiente. 40
A Lei de Política Nacional do Meio Ambiente, ao consagrar a responsabilidade objetiva daquele que causa dano ao ambiente, adotou a teoria do risco integral. O dever de reparar o dano surge independentemente da culpa do agente, da licitude da sua conduta, do caso fortuito ou da força maior, bastando a demonstração da existência do dano (o nexo entre atividade e dano).41

VIII – Da tutela antecipada

Na tutela antecipada pretende-se assegurar a própria satisfação do direito afirmado e, sua concessão exige a presença de certos requisitos, materializados na prova inequívoca que convença da verossimilhança da alegação (caput, art. 273, CPC), conciliada, alternativamente, com o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação (inciso I) ou de difícil reparação (inciso I) ou ainda, quando caracterizado o abuso de direito de defesa ou mesmo, o manifesto propósito protelatório do réu (inciso II).
Quanto à prova inequívoca, ensejadora da verossimilhança da alegação, não obstante posição respeitável em contrário, tal conceito melhor se coaduna com a lição ditada por Luiz Guilherme Marinoni42 ao afirmar que:

“A denominada ‘prova inequívoca’, capaz de convencer o juiz da ‘verossimilhança da alegação’, somente pode ser entendida como a ‘prova suficiente’ para o surgimento do verossímil, entendido como o não suficiente para a declaração da existência ou da inexistência do direito”.

Kazuo Watanabe43 esclarece :

“(....) Mas um ponto deve ficar bem sublinhado : prova inequívoca não é a mesma coisa que (fumus bonis iuris) do processo cautelar. O juízo de verossimilhança ou de probabilidade, como é sabido, tem vários graus, que vão desde o mais intenso até o mais tênue. O juízo fundado em prova inequívoca, uma prova que convença bastante, que não apresente dubiedade, é seguramente mais intenso que o juízo assentado em simples fumaça, que somente permite a visualização de mera silhueta ou contorno sombreado de um direito.”

Este instituto da tutela antecipada ganha ainda maior importância no âmbito do direito ambiental, isto porque, como bem salienta Ramón Martin Mateo, “em muitos campos a prevenção à incidência de riscos é superior ao remédio. No do ambiente, esta estratégia é clara, já que danos perpetrados ao meio podem ter seqüelas graves e às vezes irreversíveis, caso, por exemplo, da contaminação atmosférica mundial”44.
Para que o pressuposto do fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação se revele configurado, é mister a demonstração de que a conduta praticada pelo réu, violadora de uma determinada norma jurídica, cause ou esteja em vias de causar dano irreparável ou de difícil reparação ao meio ambiente, independentemente da existência de culpa, já que a responsabilidade, nestes casos, é
sempre objetiva (Lei n. 6.938/81, art. 14, §1º).
E é o caso da presente ação. Caso não sejam os réus impedidos de continuar com a execução do projeto, alguns danos ambientais podem tornar-se irreversíveis. Assim, exsurge o palpável, nítido, hialino perigo da demora da tomada de medidas impeditivas de agressão ambiental e da continuidade desta, em bacia manancial de abastecimento público, área de preservação permanente, tendo em vista a necessidade de proteção da biota e recursos hídricos existentes na represa de Guarapiranga, onde reflexamente se está a acolher o bem-estar e a saúde das pessoas.
Com isso, o perigo da demora está demonstrado, claramente, no dever de impedir a continuidade de uma construção temerária e elitista, a qual pode colocar em risco não somente o ecossistema dos mananciais e do seu entorno, mas também o abastecimento do Município de São Paulo.
Dúvidas poderiam surgir da questão da chamada irreversibilidade do provimento, que, nos termos do parágrafo 2º, do art. 273, do CPC, impediria o deferimento da medida. Em matéria de proteção ambiental, em inúmeros casos, isto poderia gerar um verdadeiro obstáculo à efetiva prevenção do dano ou à sua paralisação da conduta lesiva, caso a mesma já tenha se iniciado.
Esta circunstância, contudo, por si só, não tem o condão de impedir o deferimento da medida, devendo-se resolver a questão pelos princípios da plausibilidade e do valor dos interesses postos em jogo.
Por esta razão, conforme já decidiu o colendo Superior Tribunal de Justiça, “a exigência da irreversibilidade inserta no §2º do art. 273 do CPC não pode ser levada ao extremo, sob pena de o novel instituto da tutela antecipatória não cumprir a excelsa missão a que se destina”.45 E, permitimo-nos acrescentar, mais ainda em matéria de provimento antecipatório destinado à proteção e defesa do meio ambiente, em que os valores postos em litígio são de interesse de toda a coletividade.
Conforme apurado por esta Promotoria de Justiça do Meio Ambiente da Capital, as obras de implantação do Parque estão em ritmo acelerado, demonstrando o perigo da demora na concessão de uma medida protetiva do interesse coletivo.
Há, portanto, indubitável perigo de perecimento do direito afirmado no interesse da coletividade.
De igual maneira, evidencia-se a existência de elementos que permitem antever a procedência dos direitos afirmados por meio da presente ação. Os relatórios apresentado pelo Assistente Técnico demonstram a ligação inequívoca entre o dano ambiental e a necessidade da tutela pretendida.
Por outro lado, conforme exposto acima a preservação do ambiente em questão encontra-se garantida constitucionalmente, sendo sua preservação obrigação do Poder Público, seja por meio de medidas do executivo – que lamentavelmente foram olvidadas -, seja através de remédios judiciais os quais deve estar disponíveis para proteção dos interesses difusos da sociedade.
A urgência da situação, de um lado, fundada na grave e iminente ameaça ao bem que se quer preservar, e a relevância dos valores que se pretende preservar, diretamente ancorados no texto constitucional, demonstra à suficiência o cabimento da tutela antecipada.
No Direito Ambiental a antecipação de tutela é regra e não exceção, isto porque “diferentemente do que se dá com outras matérias, vigoram dois princípios que modificam profundamente as bases e a manifestação do poder de cautela do juiz: a) o princípio da prevalência do meio ambiente (da vida) e b) o princípio da precaução, também conhecido como princípio da prudência e da cautela.
Tutela jurisdicional que chega quando o dano ambiental já ocorreu perde, no plano da garantia dos valores constitucionalmente assegurados, muito, quando não a totalidade de sua relevância ou função social”.46
Assim sendo, em face dos documentos que acompanham a inicial e de tudo o que foi exposto constata-se que estão presentes os requisitos para concessão da tutela antecipada, tendo em vista que restou claro o fato de que o legislador constituinte impôs ao Poder Público como obrigação administrativa imediata a proteção do patrimônio natural e de que há prova de plano no sentido de que tal mister não foi cumprido pela Administração Municipal, a qual pois a área objeto da presente ação em inaceitável risco de degradação e sujeita mesmo ao desaparecimento.
Diante do exposto, postula-se pela concessão da tutela antecipada para que:

a) Seja determinada a imediata paralisação de toda e qualquer obra de implantação do Parque Nove de Julho;

b) Seja determinada a suspensão do processo para a outorga de alvará/licença em trâmite na CETESB para a implantação de parques no leito e/ou ao redor do reservatório do Guarapiranga até final julgamento desta ACP;

c) Seja determinada à Municipalidade que providencie o cercamento da área na linha da cota máxima de inundação do reservatório e a fiscalize, 24 horas por dia, para que não haja sua utilização ou invasões.

d) Seja determinada à Municipalidade que providencie barreiras/sistema visando impedir o carreamento de detritos e terra para o interior do leito do reservatório tendo em vista o período de chuvas que se avizinha, evitando seu assoreamento.

IX - Dos pedidos principais:

Requer a título de pedido principal a procedência da presente ação para tornar os pedidos concedidos em sede de tutela antecipada definitivos, bem como a condenação:

a) Do Estado, da CETESB e do DAEE na obrigação de se absterem de autorizar e/ou licenciar a construção de parques e do “Parque Nove de Julho” no leito, ou seja, até o nível normal máximo da água (cota 736,618 metros na referência de nível (ou datum) EPUSP, que corresponde à cota 737,77 metros na referência de nível IGG) e/ou ao redor (faixa de 50 metros depois do citado nível normal máxima da água) do reservatório Guarapiranga;

b) Do Estado, da CETESB e do DAEE anulando-se ao alvará fls. 276/277 – Alvará de Licença Metropolitana para Obras Públicas nº AD/33/0006/2010 -, e a dispensa de outorga de fl. 311 do IC (autos nº 9902698 – DAEE), expedidas respectivamente por estes órgãos.

c) Do Estado, da CETESB, do DAEE e da EMAE, na obrigação de se absterem de autorizar o uso do leito do reservatório do Guarapiranga, considerado este até o nível normal máximo da água (cota 736,618 metros na referência de nível (ou datum) EPUSP, que corresponde à cota 737,77 metros na referência de nível IGG) para quaisquer atividades ou intervenções, excetos aquelas que, precedidas de estudo de impacto ambiental e seu respectivo relatório de impacto ambiental – EIA-RIMA, nos moldes preconizados pela resolução CONAMA nº 01/86, indicarem ser necessárias para a recuperação e manutenção das qualidades e quantidade de seus recursos hídricos;

d) Da Municipalidade na obrigação de abster de construir o Parque Nove de Julho, ou qualquer outro, no leito, ou seja, até o nível normal máximo da água (cota 736,618 metros na referência de nível (ou datum) EPUSP, que corresponde à cota 737,77 metros na referência de nível IGG) e/ou ao redor (faixa de 50 metros depois do citado nível normal máxima da água) do reservatório Guarapiranga;

e) Da Municipalidade na obrigação de fazer consistente em remover toda e qualquer edificação construída no leito, ou seja, até o nível normal máximo da água (cota 736,618 metros na referência de nível (ou datum) EPUSP, que corresponde à cota 737,77 metros na referência de nível IGG) e/ou ao redor (faixa de 50 metros depois do citado nível normal máxima da água) e nas áreas de proteção permanente do reservatório Guarapiranga, e restaurar o meio ambiente afetado por suas intervenções, em qualquer grau que seja, repondo-o às condições anteriores às intervenções, especialmente no que diz respeito à vegetação e desaterramento da várzea.

f) Da Municipalidade na obrigação de fazer consistente em indenizar os danos ambientais irreversíveis decorrentes de suas intervenções na implantação do Parque Nove de Julho e outros semelhantes construídos no leito do reservatório Guarapiranga. Sendo certo que a compensação ambiental e/ou indenização pecuniária somente poderão ser utilizadas caso atendida a conditio sine qua non, que é a demonstração cabal de irrecuperabilidade técnica parcial ou total do meio ambiente adversamente afetado47.

III.3 - Dos outros pedidos:

a) Requer as citações da Municipalidade de São Paulo, do Estado de São Paulo, esta representando também a CETESB e DAEE, e da EMAE – Empresa Metropolitana de Águas e Energia S.A., através de seus respectivos representantes legais;

b) Requer a produção de todos os meios de prova em direito admitidos, em especial a prova pericial, a inspeção judicial, a testemunhal e a juntada de documentos;

c) Oferta-se à causa o valor de R$ 1.000,00 (um mil reais) para efeito de alçada, tendo em vista ser o seu valor real inestimável;

São Paulo, 30 de agosto de 2010.

José Eduardo Ismael Lutti
Promotor de Justiça

Danielle Brito da Rocha
Estagiária do Ministério Público

NOTAS DE RODAPÉ

1 In:<>. Acessado em 03 de maio de 2010.
2 Resolução CONAMA nº 302, de 20 de Março de 2002, artigo 2º, II.
3 Resolução CONAMA nº 302, de 20 de Março de 2002, artigo 2º, IV.
4 Artigo 13, da Lei nº 12.233, de 16 de janeiro de 2006.
5 Artigo 32, da Lei nº 12.233, de 16 de janeiro de 2006.
6 Resolução CONAMA Nº 303, de 20 de Março de 2002, artigo 2º, I.
7 Trecho retirado do ofício nº. 291/SP-CS/GAB-10 da Subprefeitura Capela do Socorro acostado às fls. 144/228.
8 Trecho retirado do ofício nº. 024/2010/LL da CETESB acostado às fls. 275/306.
9 Parecer PJ nº. 766/2010/PJM de fls.289/305 do inquérito civil anexo
10 Ofício de fls. 350 do inquérito civil (IC) anexo.
11 Trecho extraído do ofício nº. SUP/714/10 (autos nº. 9902698/03 – DAEE) do Departamento de Águas e Energia Elétrica acostado às fls. 309. E mais, foi realizada vistoria no local e ainda sim o DAEE entendeu não
haver interferência conforme atentado no Relatório de inspeção nº. 9902698/2003: “Trata-se de obra em andamento de implantação do Parque 9 de Julho, em área sujeita à inundação, entretanto na vistoria, objeto da solicitação do MP, não foram identificados usos ou interferências com recursos hídricos que necessitam de
outorga do DAEE” (sic) - fls. 352 também do IC.
12 Alterada pela Lei nº 13.542, de 8 de maio de 2009.
13 Alterada pela Lei nº 13.542, de 8 de maio de 2009.
14 Sítio Virtual: http://www.cetesb.sp.gov.br/licenciamentoo/index.asp acesso em 25 de agosto de 2010.
15 Texto extraído do sítio virtual:
http://www.daee.sp.gov.br/index.php?
option=com_content&view=article&id=68%3Aoutorgas&catid=41%3Aoutorga&Itemid=30, acesso em 25 de agosto de 2010.
16 Esta lei estabelece normas de orientação à Política Estadual de Recursos Hídricos bem como ao Sistema Integrado de Gerenciamento de Recursos Hídricos.
17 Sítio Virtual: http://www.cetesb.sp.gov.br/Solo/agua_sub/perguntas_frequentes.asp, acesso em 25 de agosto de 2010.
18 Fls. 226 a 228 do inquérito anexo.
19 Direito do Ambiente. 4ª ed. RT, São Paulo, 2005, p. 280
20 Edis Milaré. Ob cit. P. 184.
21 Lei Federal nº 6938/81.
22 Art. 4º, inciso VII, e art. 14, § 1º.
23 Art. 18 e § único.
24 Lei Estadual nº 1.172, de 17 de novembro de 1976: “Art. 2° . Nas delimitações de que trata o artigo anterior, constituem áreas ou faixas de 1° categoria ou de maior restrição: I. os corpos de água; II. a faixa de 50 metros de largura, medida em projeção horizontal, a partir da linha de contorno correspondente ao nível de água máximo dos reservatórios públicos, existentes e projetados”.
25 Lei Estadual nº 1.172, de 17 de novembro de 1976 : "Art. 8° - As águas dos mananciais, cursos e reservatórios de água e demais recursos hídricos a que se refere o art. 2° da Lei nº 898, de 18 de Dezembro de 1975, destinamse, prioritariamente, ao abastecimento de água."
26 Artigo 9º da referida Lei.
27 Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965 (Código Florestal).
28 Resolução CONAMA nº 302, de 20 de março de 2002.
29 Vide tópico “II – Conceitos”.
30 Direito do Ambiente. 6ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais.2009. p.743.
31 Decreto nº 51.868, de 22 de março de 2007, artigo 54: "Áreas de Restrição à Ocupação – ARO, são aquelas de especial interesse para a preservação, conservação e recuperação dos recursos naturais da Bacia, compreendendo:
(...) III - faixa de 50 m (cinquenta metros) de largura, medidos em projeção horizontal, a partir da linha de contorno correspondente ao nível máximo maximorum do reservatório."
32 Trecho extraído do Alvará de Licença da CETESB “o terreno está localizado em Área de Ocupação Dirigida - Subárea Envoltória de Represa - SER, sendo que parte do terreno encontra-se em Área de Restrição à Ocupação - ARO de acordo com a Lei Estadual nº 12.233/06”.
33 Lei nº 6.766, de 19 de dezembro de 1979. “Art. 4º - Os loteamentos deverão atender, pelo menos, aos seguintes requisitos: (...) III - ao longo das águas correntes e dormentes e das faixas de domínio público das rodovias e ferrovias, será obrigatória a reserva de uma faixa não-edificável de 15 (quinze) metros de cada lado, salvo maiores exigências da legislação específica”.
34 Texto retirado do sítio virtual do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Parecer 117/2007-E - Protocolado CG 167/2005; Data inclusão: 22/02/2008.
https://www.extrajudicial.tj.sp.gov.br/pexPtl/visualizarDetalhesPublicacao.do?cdTipopublicacao=5&nuSeqpublicacao=156, acesso em: 27 de agosto de 2010.
35 Vale relembrar o conceito de órgão, como sendo um centro especializado de competência com a finalidade de buscar eficiência na administração pública. Segundo Celso Antonio Bandeira de Mello, órgãos públicos "são unidades abstratas que sintetizam os vários círculos de atribuições do Estado".
36 Sítio virtual: ftp://ftp.sp.gov.br/ftpemae/breve%20historico%20da%20empresa%202.doc, acesso em 30 de agosto de 2010.
37 Sítio virtual: http://pt.wikipedia.org/wiki/Empresa_Metropolitana_de_%C3%81guas_e_Energia, acesso em 30 de agosto de 2010.
38 Trata-se de obrigação solidária.
39 CR, art. 225 e seu § 3º.
40 LPNMA, art. 14, § 1º.
41 Cf. Nelson Nery Júnior, “Responsabilidade civil por dano ecológico e a ação civil pública”, in Justitia, vol. 126, págs. 170-172. Édis Milaré, “Curadoria do Meio Ambiente”, São Paulo, APMP, 1988, págs. 46-48. Paulo Affonso Leme Machado, “Direito ambiental brasileiro”, 3ªa ed., São Paulo, RT, 1991, págs. 200-201. Rodolfo de Camargo Mancuso, “Ação civil pública”, São Paulo, RT, 1989, págs. 157-170. Paulo de Bessa Antunes, “Curso de direito ambiental”, Rio, Renovar, 1990, pág. 100.
42 Antecipação de tutela e medidas cautelares - Tutela de emergência. Revista Jurídica Síntese, nº 253, p. 42/3.
43 WATANABE, KAZUO. Reforma do Código de Processo Civil - obra coletiva, Coordenação de Sálvio de
Figueiredo Teixeira, Editora Saraiva, São Paulo, 1996, p. r.
44 “En muchos campos la evitación de la incidencia de riesgos es superior al remedio. En el del ambiente, esta
estrategia es clave, ya que daños importantes irrogados al medio suelen tener secuelas graves y a veces irreversibles, caso por ejemplo de la contaminación atmosférica mundial” (Manual de Derecho Ambiental, p. 54).
45 In NEGRÃO, Theotonio Negrão. Código de Processo Civil e legislação processual em vigor, p. 337.
46 Édis Milaré. Op. cit. p. 1109.
47 Nesse sentido é a tese aprovada no 1° Congresso Brasileiro do Meio Ambiente da Magistratura e do Ministério Público, realizado em São Paulo em 1997

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